João Marcos Barguil explica como o MCP, novo protocolo de comunicação para IA, pode transformar a forma como interagimos com sistemas digitais.
João é engenheiro, mestre, doutor em Ciência da Computação pela USP e professor do MBA Online da FGV. Tem experiência internacional e uma trajetória sempre ligada a empreendedorismo e inovação. Atuou como CTO em startups premiadas e hoje é Head de Inovação e IA na Opus Software.
Para começar, o que é MCP?
O MCP (Model Context Protocol) é, basicamente, um protocolo de comunicação. A ideia dele é padronizar a forma como modelos de linguagem de grande porte (LLMs), ou agentes em geral, acessam recursos externos — seja para buscar contexto em arquivos e bancos de dados, seja para executar ações chamando funções externas.
E o que diferencia o MCP de outros protocolos?
Uma das maiores virtudes dele é a simplicidade. O MCP define poucas interações, mas isso é suficiente para torná-lo genérico, flexível e fácil de implementar. Ele já vem com implementações de referência nas duas linguagens que dominam o desenvolvimento de agentes hoje — JavaScript e Python. Isso ajudou muito a acelerar a adoção. Além disso, ele foi construído em cima de tecnologias básicas e universais, como HTTP para servidores públicos, ou mesmo rodando localmente via stdio.
Você acredita que o MCP vai se popularizar?
Sim, e esse é um ponto-chave. Como o MCP é open source e se propõe a ser um padrão, houve uma rápida proliferação de MCP Servers criados pela comunidade. Esse movimento fortalece o “efeito rede”: quanto mais gente usa, mais relevante e útil o protocolo se torna. Nem sempre o protocolo mais tecnicamente sofisticado vence; o que conquista a adoção é o que resolve problemas reais e tem massa crítica de usuários.
Na sua visão, o que significa essa popularização?
Ela está diretamente ligada à expansão da chamada IA agêntica, ou seja, sistemas compostos por agentes conversando entre si e com recursos externos. Há um ano se falava muito de IA generativa; hoje, a palavra da vez são os agentes. O MCP surge como um protocolo já pensado para esse novo contexto: ele não substitui uma API, mas complementa. Se você já publica um servidor de API pública, é natural construir também um MCP Server, caso o protocolo se consolide como padrão.
Você vê essa tendência de “tudo virar agente” como real?
Vejo sim. O que está acontecendo se assemelha a uma mudança de canal. Se antes as pessoas usavam os computadores, depois migraram para o celular — que transformou totalmente nossa forma de acesso e criou uma geração que mal sabe usar mouse ou pacote Office — agora a gente pode estar diante de uma transição ainda maior.
Maior em que sentido?
Porque, no limite, a interação se torna mais humana. Do mesmo jeito que você pede algo a um colega de trabalho ou a um estagiário, apenas explicando o que precisa, a tendência é que se peça a um agente virtual e ele resolva. Não vai importar como ele fez: você só vai avaliar o resultado. Num primeiro momento isso ainda virá mediado por telas de computador e smartphones. Mas a longo prazo, a expectativa é que se interaja exatamente como se fala com outra pessoa.
Isso soa como futurismo.
É — mas é um futurismo muito próximo. Os protocolos como o MCP são peças desse quebra-cabeça. Eles viabilizam que LLMs realmente executem tarefas no mundo real, acessando dados e realizando ações. Por isso digo que o MCP é um habilitador: ele não é o futuro em si, mas é uma engrenagem essencial para chegar lá.
Pode dar um exemplo para ilustrar essa mudança de experiência?
Claro. Pense em como se compra uma passagem aérea hoje: entra no site, compara opções, escolhe, preenche formulário, coloca os dados do cartão. Agora imagine a mesma tarefa feita como se você estivesse falando com um agente de viagens humano: “preciso voar de tal cidade a tal cidade, nesta data”. Ele volta com opções, faz a reserva e, se tiver acesso autorizado, conclui o pagamento sem precisar pedir seus dados. Essa é a diferença de experiência que estamos falando.
Existe um risco de definir um protocolo cedo demais e, com isso, limitar a inovação?
Sim, esse risco existe. O Snowden, do framework Cynefin, fala justamente do perigo da “convergência prematura” em ambientes complexos. As empresas muitas vezes ficam inseguras e acabam esperando o que os concorrentes vão fazer para então adotar. Mas, no fim, se uma ferramenta resolve um problema real, o mercado abraça. Nem sempre é a solução perfeita em termos teóricos que vence; muitas vezes é a que é “boa o suficiente”.

“O MCP é só mais um protocolo, mas representa algo muito maior: a consolidação de uma nova forma de interação com a tecnologia. Assim como a calculadora não acabou com a matemática, os agentes não vão acabar com o trabalho humano — mas vão transformá-lo radicalmente. O progresso é imparável porque ninguém abre mão do que simplifica a vida.”
João Marcos Barguil
Mas já existem pontos críticos em relação ao MCP hoje?
Sim, especialmente na questão de autenticação. Ainda não há um modo padrão bem resolvido para lidar com segurança e permissões. Existem algumas propostas, mas na minha visão nenhuma é suficientemente boa ainda. Esse é um ponto que terá de evoluir.
A tendência é que esse problema seja resolvido?
Sem dúvida. Questões de segurança e autenticação são fundamentais, principalmente quando falamos em integração de sistemas críticos, como aqueles que lidam com pagamentos. É natural que toda tecnologia que ganha relevância precise resolver esses gargalos, e acredito que acontecerá o mesmo com o MCP.
O MCP pode funcionar como uma alternativa à API Economy?
Eu diria que é complementar. A API Economy funciona, mas tem limitações: exige escrever código, lidar com descrições de APIs que nem sempre vêm no padrão correto, dar manutenção em integrações chatas e repetitivas. Isso gera custo e risco de erro humano. O MCP padroniza e simplifica. Então, em vez de substituir, ele dá um salto de praticidade e automatização.
Então, para você, o que fica de lição nesse processo?
No fundo, é que o “feito é melhor que o perfeito”. O MCP pode não ser a solução mais sofisticada do ponto de vista técnico, mas ele resolve algo que incomodava há anos. E quando uma tecnologia reduz custo, simplifica e dá poder a mais gente, a adoção cresce rápido. Afinal, progresso não é imposto: ele acontece porque ninguém quer abrir mão de algo que facilita a vida.