“Junte gente boa e coisas boas acontecerão”

Expertise, pesquisa e foco: a combinação que permitiu à OPUS Software desenvolver o ventilador pulmonar ANIMA em apenas três meses

Desenvolvimento de um projeto complexo, de forma remota, com prazo curtíssimo, em uma área nova para a companhia e extremamente regulada. Esses foram alguns dos desafios enfrentados pela equipe da OPUS Software  à frente do projeto ANIMA, que resultou em um software para um ventilador pulmonar de ponta criado como uma forma de colaborar no enfrentamento da pandemia de COVID-19 no Brasil.

A expertise da OPUS na criação de soluções com controle de hardware em tempo real e com metodologias de desenvolvimento ágeis, aliada a um time qualificado e muita pesquisa cientificamente embasada, permitiu que a primeira versão do ANIMA 420 fosse finalizada em apenas três meses.

Conheça um pouco mais dos bastidores dessa iniciativa inovadora na entrevista com Francisco Barguil, CEO da OPUS Software, e Luiz Pizano Fonseca, gerente do projeto ANIMA. Nas palavras de Barguil, “junte gente boa e coisas boas acontecerão”. Confira essa história

  1. De que forma surgiu a parceria para o desenvolvimento do ANIMA 420 e qual foi o papel da OPUS Software no projeto? Quem são as demais empresas?

Luiz Pizano Fonseca (L.P.F.): Sergio Correa (diretor da Likeda) é um conhecido do mercado da OPUS e conversou conosco no começo da pandemia de COVID-19, no final de março de 2020. Pelos contatos que tem com a China e analisando tudo que estava ocorrendo, ele nos disse que faltariam respiradores aqui no Brasil. Ele havia resolvido fazer um respirador na Likeda, desenvolver o hardware, e queria saber se poderia contar com a OPUS para o projeto, que exigiria um desenvolvimento complexo de software. A Exxomed é uma empresa com a qual a Likeda já tinha relacionamento, da área biomédica, e que deu apoio ao desenvolvimento para transformar o ANIMA 420 em um produto médico. A Exxomed atuou ainda nas etapas de aprovação do equipamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e será responsável por sua distribuição.

Para realizar o desenvolvimento do software do ANIMA, a OPUS reuniu uma equipe multidisciplinar, com muitos anos de experiência, que foi capaz de aportar conhecimento rapidamente e chegar a uma solução em tempo recorde. Foram apenas três meses até termos a primeira versão funcional do equipamento.

  1. Qual foi a principal motivação da OPUS para participar do projeto do ANIMA 420?

Francisco Barguil (F.B.): Posso afirmar que 100% da nossa motivação veio do próprio contexto da pandemia de COVID-19. Quando o Sérgio (Correa, da Likeda) disse que estava fazendo o equipamento e precisava de ajuda, já respondi a ele para contarem conosco. Três dos engenheiros da OPUS envolvidos no ANIMA estavam trabalhando em um projeto interno. Então, não atrapalhariam nenhum cliente ao serem deslocados. Eles são do time de machine learning, mas possuem experiência em desenvolvimento de software. A OPUS entrou no projeto do ANIMA de maneira humanitária e a equipe também: a empresa abriu mão de qualquer resultado financeiro sobre este projeto, assim como o time. Todos os envolvidos toparam, mesmo vendo o tamanho da “encrenca” – é um projeto bastante complexo – e o prazo: tínhamos de fazer em três meses o software ou perderíamos o timing. No começo da pandemia pensamos: o que podemos fazer para ajudar? Ninguém sabia o que iria acontecer. Tomamos algumas atitudes e, entre elas, decidimos que enquanto estivéssemos no azul manteríamos nosso time. A segunda ação foi doar cestas básicas: uma por funcionário. E foi nesse mesmo espírito que entramos no projeto do ANIMA: em que a gente pode colaborar no contexto da pandemia? Melhorar a vida das pessoas através do software: esse é o propósito da OPUS.

  1. Como era composto o time de desenvolvimento do projeto? E a equipe de consultores da área de saúde?

F.B.: O time do ANIMA tinha dois engenheiros do ITA, um da Poli-USP, um da USP São Carlos, um cientista da computação da USP… Outra estratégia que usamos muito é ir atrás do conhecimento. Nesse caso, contamos com consultores externos também.

L.P.F.: No total, 11 profissionais internos participaram desse projeto. Contamos com uma equipe com conhecimento interdisciplinar, com anos de experiência em Engenharia Eletrônica e em Engenharia de Software. Também tínhamos no time uma especialista em UX (User Experience) e um especialista em UI (User Interface), que foram responsáveis pelo desenho da interface do usuário. Além disso, tivemos a participação de consultores externos, como mencionou Barguil: um médico intensivista, um pesquisador especialista em respiradores e um especialista em hardware da empresa parceira. Na Likeda, havia quatro engenheiros envolvidos, além de técnicos que auxiliaram na usinagem e na montagem do equipamento e fornecedores externos que também contribuíram, de alguma forma, para o projeto do ANIMA.


“A OPUS reuniu uma equipe multidisciplinar, com muitos anos de experiência, que foi capaz de aportar conhecimento rapidamente e chegar a uma solução em tempo recorde. Foram apenas três meses até termos a primeira versão funcional do equipamento.”

Luiz Pizano Fonseca


  1. A OPUS já havia trabalhado com o desenvolvimento de software para equipamentos biomédicos? Caso não, qual foi a principal diferença de atuar nesse segmento?

F.B.: Um dos pontos que nos auxiliou no projeto é que trabalhamos muito com controle de hardware em tempo real. Mas nunca havíamos trabalhado com equipamentos biomédicos. O incomum é trabalhar em um ambiente tão regulado em termos de testes de qualidade, garantia de equipamento, tolerância a falhas. Tudo isso tem de ser dimensionado ao máximo possível. É parecido com o segmento da Aeronáutica, com o qual o Luiz (Pizano Fonseca) havia tido contato no ITA, e com o de trens, em que o Sérgio Hayashi já havia atuado no Japão. Cada coisa que é feita tem de ser documentada três vezes… é natural que as coisas andem mais devagar.

  1. Além do tempo escasso, qual foi o principal desafio do projeto ANIMA 420?

F.B.: A COVID-19 é uma doença com características muito específicas. No ventilador pulmonar usado nos pacientes em estado grave como o ANIMA, o software precisa controlar três diferentes válvulas: uma que controla o ar comprimido, outra que controla a entrada de oxigênio e outra que regula a exalação, que precisa estar aberta no momento em que o paciente deve expirar o ar. Esse controle exige um sistema de equações, de cálculo diferencial, e que tem um valor ótimo a ser perseguido. Engloba variáveis de volume e pressão, vários sensores de pressão e fluxo de ar, poderia usar um sensor de O2 para controlar a quantidade exata de oxigênio ofertada ao paciente. Cada membro da equipe precisou estudar muito para definirmos os parâmetros ideiais e o módulo de controle é, portanto, o ponto central do projeto.

L.P.F.: O operador do ventilador vai escolher o volume de ar que deseja insuflar, a saturação de oxigênio, a frequência da ventilação, e o nosso software tem de controlar as válvulas. Nos pacientes doentes, é preciso controlar a exalação do ar para garantir que o equipamento deixe uma quantidade  mínima de pressão (de ar nos pulmões) e, assim, não permita aos alvéolos pulmonares colabarem (PEP). A ventilação pulmonar pode tanto forçar a pessoa a respirar quanto controlar a saída de ar para a pessoa não perder capacidade pulmonar.

  1. Como foi o processo de desenvolvimento do software?

F.B.: Primeiro, analisamos o hardware que a Likeda já estava desenvolvendo à luz da nossa experiência prévia e das nossas pesquisas iniciais sobre respiradores. Eles tinham apenas uma CPU nesse hardware. Optaram por um hardware barato, um Raspberry PI. É uma escolha que tem virtudes, mas um problema: o Raspberry roda um Linux como sistema operacional, que não é um sistema de tempo real (Real Time Operating Systems – RTOS). Um sistema de tempo real (RTOS) garante alguns intervalos de tempo bem definidos necessários ao projeto do ANIMA. O modelo teórico que nosso time utilizou para a modelagem do software mostrava que eram necessárias pelo menos 400 amostragens por segundo para o funcionamento adequado do respirador. O módulo de controle recebe esses dados dos sensores do equipamento. As válvulas respondem em um intervalo de 10 milissegundos. Precisávamos garantir que era possível executar a leitura dos sensores a cada  2,5 milissegundos. A Likeda tem um consultor que tem uma placa de automação industrial que usa um microcontrolador baseado em Arduíno. Aí era possível ter o controle exato da execução: o loop do Arduíno contava a cada 2 milissegundos. Além disso, o Arduíno é cinco vezes mais barato que o Raspberry (poderia ser um Raspberry replicando). Então, sugerimos à Likeda acrescentar um Arduíno sem SO que foi capaz de prover esse controle fino necessário ao projeto.

Além do nosso conhecimento prévio, temos grande respeito pela ciência e pela teoria. E o nosso time, em geral, é bem chato com isso. Todo mundo vem de universidade renomada com boa base teórica e crítica, tem capacidade de resolver problemas mais complexos e entender a teoria antes de executar algo. Um dos membros da equipe encontrou uma dissertação de mestrado sobre respiradores bem fundamentada. Gostamos do material e, usando contatos acadêmicos, fomos apresentados ao professor que orientou o aluno que fez essa dissertação. O aluno autor do trabalho topou participar como consultor do nosso projeto. Ele conhecia muito o aspecto do módulo de controle… se fôssemos trabalhar sozinhos, demoraríamos o dobro do tempo. Também nos ajudou a entender como seriam os testes no hardware para fazer a aprovação na Anvisa.

Essa primeira etapa do projeto do ANIMA foi resolvida pelos nossos Engenheiros Eletrônicos, mas ainda havia muito trabalho em software a ser feito. Trabalhamos seis dias por semana, com uma folga intercalada. Tínhamos de desenvolver a interface de usuário, que é Web, a interface de controle do Raspberry e a interface com o módulo de controle. Contratamos um dos projetistas do hardware como consultor.

L.P.F.: Teve ainda o nosso consultor, médico intensivista. À medida que lemos e pesquisamos sobre o produto, fomos tirando dúvidas com ele. Também o tínhamos como usuário-chave e recebemos dele muitas orientações sobre o que gostaria de ver na interface.

F.B.: Formado em Medicina na Unesp de Botucatu (SP), fez residência em pediatria e atualmente faz uma nova residência em UTI pediátrica. Ele conhecia seis modelos diferentes de ventiladores pulmonares, pois 80% das crianças que vão para UTI, vão por conta de problemas pulmonares. Nosso contato com ele foi essencial para entendermos os indicadores que são guias em um ventilador para definir se o paciente precisa ou não de uma intervenção.

  1. Quais foram os benefícios para o time envolvido no ANIMA 420 e as características desses profissionais que fizeram a diferença pro projeto?

F.B.: Você nunca sabe quando um conhecimento vai ser necessário, mas não adianta você negligenciar. Você tem de ter alças para puxar esse conhecimento quando necessário. O que foi transmitido como base é aquilo que se aplica em todas as áreas. As coisas específicas vão ficar obsoletas, elas servem só para ilustrar. De alguma maneira, nosso time exercitou a capacidade de absorver conhecimento sobre um problema que não conhecia. Outro ponto positivo foi poder levar o conhecimento prévio. E o terceiro foi buscar conhecimento onde ele já estava estabelecido para acelerar o projeto. Muitas coisas que foram lidas nas pesquisas precisavam ser explicadas com mais detalhes por pessoas da área e soubemos buscar esse apoio externo. Um dos engenheiros envolvidos no projeto do ANIMA, por exemplo, precisou aprender rapidamente Python. Conhecia pouco, alguns scripts. Aprendeu muito rápido para poder executar rapidamente. Ter base conceitual nos permite aprender rapidamente e ter sucesso no projeto. Com isso, conseguimos delimitar o problema e correr para fazer a aplicação a tempo. Em paralelo, o hardware estava ficando pronto. O hardware mudou e precisamos criar um ambiente simulado. Como o microcontrolador era compatível com o Arduíno Due, compramos um para cada desenvolvedor e um Raspberry PI. O fato de ter simuladores ajudou a validar aquilo que eles estavam desenvolvendo.

  1. Como se deu a relação entre equipes de software, hardware e regulação para o desenvolvimento do ANIMA 420? Houve algum desafio extra neste sentido em tempos de isolamento social e, consequentemente, trabalho remoto?

L.P.F.: Como o Francisco disse, mandamos para casa de cada um dos desenvolvedores um Raspberry e um Arduíno. E eles construíram um simulador de respiração para poderem executar e ver o gráfico acontecendo. Tem uma parte do desenvolvimento do controle que depende de ensaios que você faz na peça de fato, com as válvulas. E teve um período em que havia um membro da equipe indo lá no laboratório da Ikeda para fazer os testes. Havia um computador conectado no Arduíno, na placa, e os desenvolvedores acessavam remotamente o computador. Era uma pessoa presencial e o resto era remoto. Foi um desafio trabalhar remotamente. Mas foi uma grande surpresa para todo mundo quando embarcamos o software pela primeira vez e vimos acontecer a dinâmica respiração. Foi surpreendente.


“Você nunca sabe quando um conhecimento vai ser necessário, mas não adianta você negligenciar. Você tem de ter alças para puxar esse conhecimento quando necessário. O que foi transmitido como base é aquilo que se aplica em todas as áreas. As coisas específicas vão ficar obsoletas, elas servem só para ilustrar.”

-Francisco Barguil


  1. Quais são os principais diferenciais do ANIMA 420 em relação a outros ventiladores pulmonares em desenvolvimento no Brasil? Há algum ineditismo neste projeto quando se pensa no mercado nacional?

L.P.F.: São dois pontos. Muitos dos projetos que vimos na mídia de respiradores no contexto de pandemia de COVID-19 usavam tecnologia de ambu (balão pressionado para promover respiração). O nosso, um ventilador profissional, usa ar comprimido, oxigênio comprimido. Não quer dizer que os respiradores tradicionais não sejam assim. Mas esse é um diferencial em relação a outros feitos a toque de caixa na pandemia. O outro foi montar um respirador cujas peças são facilmente encontradas no mercado nacional.

  1. Qual é a previsão para início da produção dos equipamentos do ventilador pulmonar? Já há contratos fechados de fornecimento ou previsão de quando o ANIMA 420 estará em hospitais?

L.P.F.: Estão negociando com alguns consórcios porque é preciso ter um lote mínimo para valer a pena a produção. Mesmo tendo sido feito com peças open source, disponíveis, ainda assim é caro. Além disso, houve vários problemas com as licitações de respiradores no Brasil no 1º semestre. A continuidade do projeto depende agora mais da necessidade, aprovação de contratos e da linha de montagem.

  1. O desenvolvimento de um projeto de software para um produto complexo da área biomédica como um ventilador pulmonar costuma envolver várias etapas e, consequentemente, exigir um tempo maior do levantamento de requisitos à conclusão da aplicação. Porém, o contexto da pandemia de COVID-19 exigiu que o projeto do ANIMA 420 fosse concluído em um curto espaço de tempo (apenas três meses). De que forma a OPUS e seus parceiros lidaram com esse prazo tão restrito?

L.P.F.:  Podemos dizer que tivemos de lidar com um “prazo assassino” e tivemos sucesso. Mas é claro que houve entraves. Nossa equipe teve dificuldade com os testes. Tínhamos membros em São Carlos, Salvador, São Caetano do Sul, Sorocaba e em São Paulo. Precisaram ir a campo, depois do software estar desenvolvido e testado em ambiente simulado, para testar no hardware. Acabamos tendo de contar com um braço físico. O ANIMA começou a ser desenvolvido em abril de 2020 e foi finalizado totalmente em cinco meses. Porém, já havia uma versão funcionando em três meses. Essa versão foi submetida à Anvisa. Depois continuamos trabalhando para ter uma base de testes documentada, fizemos uma parte de autoteste do equipamento, documentação e calibração nesses dois meses restantes. Fizemos ainda ferramentas de software para acelerar os testes de calibração. Para concluir, quando olhamos para trás e pensamos na dificuldade que era, no grau de incerteza e no esforço que colocamos, sem saber se daria tempo e se funcionaria, foi ainda mais gratificante ter conseguido tanto o prazo adequado quanto o resultado. Temos de encarar desafios de forma segura. Nem sempre você atingirá o resultado completo. Mas, se você fizer uma trajetória que garanta resultados intermediários, já terá um bom percurso. Junte gente boa e coisas boas acontecerão. Será possível pegar uma coisa que você não dominava e dar conta de obter um bom resultado.

Para saber mais, assista:

Entrevista realizada por Marisa Franco

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